Não é sobre clones ou dinossauros, mas essa biotecnologia promete revolucionar a ciência viral.
A década de 90 e o início dos anos 2000 foram marcados por filmes de ficção científica que prometiam um futuro onde o ser humano transcende as barreiras do mundo natural com tecnologias absurdamente fantásticas. E, no meio de todas as possibilidades que encantaram o público, estava a microbiologia, mesmo que - na época - nem todos soubessem exatamente o que era isso.
O termo já vinha sendo utilizado pela área científica desde 1919 e integrou projetos como a descoberta da penicilina em 1928, a primeira descrição da estrutura do DNA em 1953 e a criação da técnica de PCR em 1983. E, muito embora, esses conhecimentos tenham ficado famosos - assim como as possibilidades que vieram junto - a área de estudo em si permaneceu - e ainda permanece - um tanto quanto incógnita entre as massas, mesmo quando virou assunto em rodas de conversa na fila do cinema.
Ao abordar o renascimento genético de dinossauros, ciborgues, vida artificial e clonagem, a sétima arte deu uma enorme visibilidade à biotecnologia. Produções como “Parque dos Dinossauros” (“Jurassic Park”, 1993); “O exterminador do futuro” (“The Terminator”, 1984); “Blade Runner” (1982) e “Ex Machina” (2014) arrecadaram bilhões em bilheteria, com uma fama que se estendeu por décadas, e transformaram em tema popular a ciência que utiliza células vivas e tecnologia para desenvolver ou manipular produtos e formas de vida.
Apesar de nada disso ter saído das telas na proporção que encantou o público, muito tem sido descoberto na área. Cientistas replicaram a pelagem de mamutes - animais pré-históricos extintos - em ratos de laboratório, vários espécimes já foram clonados desde a ovelha Dolly em 1996. E uma dessas inovações aconteceu em um laboratório da USP, no Brasil, no começo de 2025.
Interação entre proteínas: cientista brasileiro cria uma ferramenta de Inteligência artificial que pode prevê-las
Para quem estava esperando dinossauros, exterminadores do futuro ou o Ultron (referência a “Vingadores: A era de Ultron” (“Avengers: The age of Ultron”, 2015)), essa notícia não vai ter muito impacto - além do orgulho nacional pela conquista em si. Contudo, para quem entende o papel que as proteínas desempenham na saúde e no funcionamento do organismo, então essa é uma novidade incrível.
Também conhecidas como Albumina ou Protídeo, as substâncias proteicas influenciam a resposta imunológica, o metabolismo e a replicação celular.Em outras palavras, e em uma simplificação exagerada, elas podem ser as heroínas, ou vilãs, que salvam o corpo de uma gripe, ajudam a emagrecer ou previnem o câncer.
E todas essas coisas ocorrem a partir do primeiro contato - ou interação - entre duas proteínas. Pode-se pensar, como exemplo, no que ocorre quando um anticorpo - protídeo do sistema linfático - encontra um antígeno invasor - como uma proteína viral. A partir da ligação que se forma, a proteína interna vai avisar aos outros sistemas do corpo, o que, por sua vez, desencadeia um movimento generalizado para eliminação da célula invasora.
Cada organismo vivo tem milhares de proteínas diferentes, com funções e origens distintas. Sempre que duas ou mais interagem dentro do organismo, causam e comunicam coisas diferentes, avisando quando é necessário a replicação genética e gerenciando o nível de glicose no sangue - por exemplo. Se o encontro dessas moléculas for influenciado por mudanças no DNA ou outros fatores (tanto internos quanto externos), as consequências podem ir de câncer a resistência a medicamentos - passando por neurodegeneração e doenças autoimunes.
O tema é tão relevante às ciências biológicas que começou a ser estudado - de forma bem preliminar - em 1951 e só acumulou mais nomes e acontecimentos desde então. O fato de o assunto ter ganho força depois de 2020 não deve ser estranho, visto que já foi mencionada a relação entre proteínas e a reação imunológica aos vírus.
A Covid 19 pode ser um monstro do passado, mas deixou um legado. As consequências da pandemia em nosso estilo de vida e perdas humanas reforçou a percepção de que o corpo e a sociedade estão vulneráveis a vírus como o SARS-CoV-2 e que algo precisa ser feito antes que outra pandemia tenha consequências ainda piores.
Essa foi uma das principais motivações de Bruno Rafael Florentino, criador da IA que promete prever interações e, com isso, otimizar o trabalho laboratorial de biólogos em - por exemplo - eventuais necessidades de identificar quais proteínas interagem no caso de uma epidemia viral. Nesse caso, seria mais rápido criar ferramentas que prevenissem uma nova pandemia, em vez de apenas remediá-la.
“A cápsula de um vírus infecta as nossas células por uma interação da proteína viral com a proteína da membrana celular”, explicou Bruno em uma entrevista ao Jornal da USP. No caso da Covid, a interação ocorria entre a proteína viral Spine e as presentes em receptores ACE-2 - presentes na membrana celular.
Com esse trabalho, o brasileiro - formado em Ciências físicas e biomoleculares e doutorado no ICMC - foi o primeiro sul-americano a ganhar a medalha de ouro Thomas Clarkson por um dos melhores TCCs do ano em Ciência Computacional. Não só isso, mas seu trabalho também foi publicado no Computational and Structural Biotechnology Journal - revista científica respeitada que vem ganhando destaque internacional.
Bio Prediction-PPI: como a IA brasileira muda as pesquisas em interações proteicas e biotecnologia
O futuro doutor criou a Bio Prediction-PPI para automatizar análises de interações e para ser acessível a usuários não familiarizados com programação. O único pré-requisito para obter resultados é fornecer dados bem estruturados, assim os algoritmos de aprendizado podem funcionar.
A ferramenta faz até mesmo a conversão de informações em sequências de letras - forma de identificação normal para proteínas e RNA - em dados numéricos. Assim, um biólogo não precisa se familiarizar com, ou aprender a fazer, essas mudanças para obter previsões.
Após alimentada com os códigos alfabéticos e convertê-los em códigos numéricos, a IA extrair as características mais relevantes das moléculas proteicas e as organiza em grandes categorias. Ele testa o encontro entre essas características e, com base nesses dados, o sistema cria um modelo parcial, treinado para decidir se ocorrem ou não interações.
É sempre possível inserir novos dados e trabalhar diversos modelos. Dessa forma, se uma nova variável for relacionada a um estudo proteico já conhecido, é possível usar o modelo já usado, em vez genérico ou não validado. “Eu posso usar as interações conhecidas desta família para predizer um novo membro que eu não entendo. E isso é bom porque, caso contrário, talvez eu tivesse que usar um modelo de predição de proteínas humanas ou de bactérias ou de plantas”, explica Bruno.
Em testes em uma análise do vírus da Influenza A, uma previsão feita pela IA reduziu 15 mil prováveis pares interativos para 1.265, com uma taxa de acerto de três em cada quatro previsões. Essa inovação é um exemplo de democratização do acesso à computação e da integração entre biologia e tecnologia.
Conclusão: O Futuro da Biotecnologia e o Profissional do Amanhã
No cinema, a biotecnologia por vezes começa como uma esperança e termina em tragédia. Os dinossauros saem do controle, os clones se revoltam, a cura vira uma doença, em resumo, “brincamos de Deus e temos de pagar o preço” (“A Ilha”, 2005). Contudo, no mundo real, “a biotecnologia vai nos permitir viver mais, melhor e com mais consciência dos limites éticos da ciência” (Craig Venter, geneticista pioneiro no sequenciamento do genoma humano).
A inteligência artificial desenvolvida por Bruno Florentino é apenas uma de várias provas. Ela, e inovações que seguem sua linha de pesquisa e tantas outras, podem se desenvolver em tratamentos personalizados, combater doenças genéticas e câncer, pesquisas sustentáveis e democratização da informação. É um sinal de que a humanidade está prestes a entrar em uma nova era, não apenas da biotecnologia, mas da saúde, da comunicação e da vida em sociedade.
Aplique conceitos de biologia e tecnologia em pesquisas para desenvolver soluções biotecnológicas e empreender, com foco na promoção da saúde e na democratização dos recursos científicos. Com a Pós EAD da São Camilo em Biotecnologia, você é parte integrante do futuro descrito por Venter, onde vivemos mais, melhor e com mais consciência, além de embarcar em um dos mercados de trabalho mais promissores da atualidade.